Bernardete Costa

FRAGÂNCIA


Há dois meses que acontecera. Na penumbra da sala, sentia-se tão diferente, não era o mesmo homem.
Como gerir a dor instalada no corpo e na mente? Como suportar a morte precoce do corpo, que lhe minava a libido e lhe percorria as veias?
Iria telefonar-lhe, nada continuaria como dantes; as sensações desfaleciam numa antecipação mortal. O seu amor ferido, virado para a sua incapacidade, autorizava-o a magoá-la, “Não te quero ver mais”.
Sentia-se um velho depauperado; reconhecia o orgulho que não permitia a comiseração dela. Mil vezes perdê-la, a detectar nos seus olhos a compaixão que lhe provocaria o seu estado miserável.
Arrastava-se da casa ao café, distraído pela amargura da sua insuficiência.
Entretanto as conversas amigas foram espaçando;  “Preciso saber de ti”. “Também”, acrescentava.
Depois fez-se o silêncio. “Tudo é eterno enquanto dura”, o soco da lógica a sufocar o sonho.
Mais tarde, o mal surgiu na outra vista, vislumbrando apenas sombras e luzes. Quando uma fragrância do passado se colou ao presente; esse olor a  orientá-lo para mesmo café, diariamente; logo a memória a tecer enredos e saudades; e ele a usar o gume da racionalidade: “somos somente animais”.
Um dia tombou da cadeira, o coração a bater na boca, a querer rebentar no peito, o seu corpo a fazer-se pó… Até que sentiu a fragrância tomar-lhe os sentidos;  e ele  a partir, a sorver o olor do passado colado no presente, a inspirar com dor, com saudade, mas a partir, cobarde, mesmo na morte.

Bernardete Costa nasceu em 1949, Esposende, aonde retornou procurando as suas origens.
Publicou 3 livros de poesia para adultos e 2 dedicados à infância, poesia e contos; no prelo possui um livro de poemas dedicado à juventude.
Tem ainda publicação dispersa por diversas antologias, jornais e em http://bernardetecosta.blogs.sapo.pt/


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