domingo, dezembro 19, 2010



Literacia homenageia o Grupo:

Parabéns Amante  das Leituras!


Algumas redes sociais, e raros grupos de literatura, destacam-se no universo virtual pelo estímulo ao fazer literário. São tantos e muitos, poucos apresentam uma proposta sólida que de fato fomente a cultura e o aprendizado continuado. Em sua grande maioria, tais redes e grupos são meras passarelas para desfile de egos, sem qualquer compromisso e respeito por nosso mais precioso dom, a Palavra!

Merece destaque o Grupo Amante das Leituras, pois além de divulgar poetas e escritores de língua portuguesa e espanhola, também publica antologias, realiza espetáculos culturais, e promove a divulgação de autores na rádio e televisão portuguesa.

Isto posto, justifica-se  a Homenagem em pauta, como reconhecimento das meritórias atividades de Amante das Leituras, pela grandeza de sua missão, com objetivos definidos, que levam seus Membros ao real exercício e a busca incessante do domínio da escrita poético-literaria, por meio de Oficinas e Desafios, constituindo-se assim uma real Carpintaria da Palavra.

O Desafio de Prosa, é detentor de um regulamento que é respeitado, quer a nível das participações,quer no diz respeito à votação dos textos ,apresentados diretamente à coordenadora-Bernadete Costa[escritora e poeta]. Os textos dos concorrentes são encaminhados para um júri, anonimamente. Ao que for atribuído o maior número de pontos é o vencedor, e assim sucessivamente para os 2 e 3º lugares.

Neste mês o Desafio proposto teve como foco a feitura de mini contos, tarefa que considero de alta dificuldade, pois a síntese, sempre foi e será a grande pedra no caminho daqueles que percorrem as trilhas da Letras.

Desafio proposto, Desafio enfrentando pelos Membros de Amante das Leituras, do qual saíram vencedores:

_  Primeiro Lugar: - Maria Rita Romão, com o Conto, Solidão
_  Segundo Lugar:- Abílio Pacheco, com o  Conto, Amante das Leituras
_  Segundo Lugar:- A.A.Catarino, com o Conto, Ponto Final
_  Terceiro Lugar:- Bernadete Costa, com o Conto, Fragrância

Literacia cumprimenta os Coordenadores de Amante das Leituras, os Jurados [cujo mister não é nada fácil] e a todos os concorrentes, desejando sucesso permanente nesta empreitada literária de maior valia.

Aos Vencedores nossos Parabéns!
anadeabrãomerij


terça-feira, junho 15, 2010



A Curva
Denílson Neves

Uma fração de segundo é pouco tempo para se tomar decisões importantes, eu sei, mas não espere que o destino bata na porta antes de entrar. A vida é uma estrada sinuosa de mão única, e a gente pensa que se conhece até o dia em que uma curva mais acentuada nos obriga a pensar rápido, como aconteceu comigo. A história que vou contar agora pode não ser das melhores, mas com certeza o deixará mais alerta.

Eu estava parado no ponto, esperando o ônibus como fazia todas as manhãs. Cheguei a vê-lo virando a esquina, e até dei sinal, mas não houve tempo.

- Pega ladrão! Pega ladrão!

Eu não sei o que me levou a agir da forma como agi. Talvez aquela senhora tenha lembrado demais a minha mãe, não sei. Parece loucura, mas eu não me via correndo atrás do assaltante, apesar de estar efetivamente perseguindo-o. Era como se o meu corpo se movesse por conta própria.

Corremos ladeira acima, e eu, boquiaberto, via a distância entre nós se reduzir a cada passada. Uma parte de mim, dominante, queria pará-lo a qualquer custo e recuperar a bolsa da senhora que lembrava a minha mãe. Uma outra parte, porém, lutando para assumir o controle, estava realmente preocupada com o que viria depois.

Seguimos nessa luta, até que o improvável se confirmou. Eu, que nunca fui de me meter em brigas, nem nos tempos de menino, sedentário e acima do peso, não só alcancei o jovem, como ainda o derrubei no chão. E esta foi, talvez, a pior coisa que fiz nesses maus vividos anos que já vão longe. Eu devia ter previsto, mas o que fazer quando a vida não nos dá tempo?

Tudo o que eu queria era recuperar a bolsa da senhora. Depois deixaria o ladrão fugir, sem maiores conseqüências. Não sou da polícia, nem nunca fui de heroísmos. Longe disso. Mas foi só o tempo de tomar a bolsa de volta e outro homem apareceu, do nada, e começou a dar socos na cabeça do rapaz caído ao chão. Tentei acalmá-lo, mas ele estava fora de si. Com esforço consegui afastá-lo, mas de nada adiantou, porque outro surgiu, não sei de onde, aos gritos de “Mata! Mata esse vagabundo desgraçado!” e foi logo enchendo o infeliz de pontapés, como se fosse um saco de lixo. Outros foram chegando, um após o outro. Quase entrei em desespero quando vi um deles pisotear covardemente a cabeça do indefeso. E eram tantos braços e pernas a desferir golpes de extrema violência que só mesmo por milagre o sujeito sobreviveria.

Comecei a berrar por socorro, mas ninguém me dava ouvidos. Nenhuma boa alma veio em meu auxílio. Todos os vestígios de humanidade pareciam ter se apagado por completo. O que eu via mais se assemelhava a um bando de animais carniceiros disputando um pedaço da presa. Minhas últimas esperanças caíram por terra quando percebi que até mesmo as mulheres incentivavam aquela carnificina. Uma delas sentenciou que lugar de bandido é debaixo da terra, e as outras aplaudiram.

No auge do meu sentimento de impotência, sentei no chão com as mãos sobre a cabeça e comecei a chorar. A única coisa que eu conseguia pensar era que, por minha culpa, um jovem estava sendo linchado, e eu nada podia fazer para impedir. Foi quando senti um toque de mão no ombro. Era a senhora do ponto de ônibus perguntando se eu poderia lhe devolver a sua bolsa.

Só então me dei conta de que a bolsa dela esteve comigo o tempo todo. Sem uma palavra, os olhos cheios d’água, estiquei o braço mecanicamente.

- Obrigada, meu filho. Você foi muito corajoso. Nem sei como lhe agradecer.

Olhei para aquela senhora que lembrava tanto a minha mãe, me chamando de filho, e o choro, antes contido, explodiu no peito. Ela abraçou-me, como minha mãe teria feito, e me disse.

- Não chore, filho. Isso logo vai acabar.

Mal ela terminou a frase, um carro da polícia militar virou a esquina e dois policiais saltaram apressadamente, dispersando a turba enfurecida. Um deles tomou o pulso do rapaz e, ao verificar que ele ainda estava vivo, pediu ao companheiro de farda para ajudá-lo a retirar o corpo da calçada. O correto seria usar uma maca, mas não havia nenhuma. Tiveram que carregá-lo suspenso pelas pernas e axilas. O sangue, gotejando abundantemente, deixou marcas no trajeto até o banco traseiro da viatura.

- Deixa morrer!

- Lugar de bandido é na vala!

Mas o carro deu partida, e o rapaz foi salvo, para decepção geral. A impressão que dava era que os policiais estavam tirando ossos da boca de cães.

            Tantos anos se passaram e esse dia ainda repercute na minha memória. Comparadas a esta, as outras curvas foram apenas leves ondulações. Nunca consegui entender o que me levou a perseguir aquele homem. Quando penso nisso, muitas vezes me pergunto se tudo não passou de um sonho mal sonhado. Na minha idade, para falar a verdade, já nem tenho certeza se as coisas se deram realmente como eu contei. Porque nunca ninguém falou comigo a respeito, ninguém nunca me apontou na rua, nunca ninguém me reconheceu...
Será que eu não assisti a cena da janela do meu apartamento e fantasiei...

             Nunca contei essa história antes. Nem para os filhos, nem para os netos, e nem mesmo para os meus bisnetos. Porque nunca tive certeza. Sempre me senti um mero expectador, apesar de ter sido o pivô dos acontecimentos daquela fatídica manhã.
                   Tantas vezes revivi em sonhos aquelas cenas, e isso só serviu para me confundir ainda mais.

Queria tanto poder falar com alguém que tivesse testemunhado tudo, ainda que da janela, mas seria difícil encontrar uma alma viva. É o preço que pagamos por envelhecer. Os amigos vão-se indo, um após o outro, nos deixando para trás com as nossas dores. Algumas que nem sabemos se realmente nossas, como essa maldita... Agora mesmo ela está aqui, ao meu lado, observando-me enquanto escrevo o que nunca tive coragem de dizer.

                             Quem sabe assim ela me deixa morrer em paz.

Vou ficando por aqui, pois a vista já me arde e o corpo pede cama, mas não sem antes deixar uma última advertência.
Lembre-se sempre: o perigo se esconde nas curvas.
E a estrada da vida não tem placas!

domingo, junho 13, 2010

Leitura Analítica:
-Texto A Curva

de: Denílson Neves

[Texto vencedor do Concurso- Grupo Amantes da Leitura]

1. Fundamentação Teórico- Literária:

Cabe aqui descrever inicialmente sobre a tipificação dada ao texto A CURVA: - Prosa.

Lato sensu, estaria correta tal denominação, visto que Prosa compreende toda narrativa escrita sem divisões rítmicas, sem preocupações métricas [o que genericamente difere prosa de poesia], onde a guia predominante do autor não é a poética, mas a descrição de um fato ou evento, de forma linear, sem digressões, com diálogos curtos, em texto monocromático.

Eis aqui uma visão ampla do conceito de Prosa [não definitiva, pois que conceituar prosa, ainda objeto de debate entre vários autores e mestres respeitados da Teoria Literária], cabe, porém tal enunciado considerando que a prosa por seu eixo basilar [narrativa], provoca de fato no leitor esta confusão inicial, dado que, por tal característica, abriga em seu bojo vários gêneros [para alguns autores] subgêneros, tais como:

- discursos, fábulas, novelas, romances, contos.

Strictu sensu, realizada a leitura analítica do texto A CURVA, nos deparamos não com uma prosa-simplesmente, mas com um CONTO.

Idem nos demais textos [lidos] do Autor.

O que nos leva a afirmar que Denílson Neves é um Contista, na mais exata acepção teórica do gênero, considerando que o mesmo utiliza a narrativa [prosa] para construir seus Contos.

Tal assertiva pauta-se em:

I. Identificamos na obra do autor o que podemos chamar de análise de tipo elementos, e para melhor nomear a produção literária de Denílson Neves, pautaremos esta leitura em três naturezas distintas:- tipo, gênero, elementos, que se apresentam nas ocorrências, onde o mesmo promove interseções claras utilizadas de maneira arguta para construir suas narrativas.

II. Fundamentamos esta breve analise, nos seguintes elementos:

• descrição, dissertação, injunção e narração;

• escrita argumentativa – utilização de recursos linguísticos apropriados para convencer o leitor – discurso de convencimento, busca de cumplicidade do interlocutor;

• texto não preditivo- onde o autor descarta a antecipação do dizer sobre o desfecho pretendido.

Aristóteles já observava, em sua "Poética", que nem todo texto escrito em verso é "poesia", pois na época era comum se usar os versos até em textos de natureza científica ou filosófica, que nada tinham a ver com poesia.

De igual modo, nem tudo que é escrito em forma de prosa tem conteúdo de prosa.

III. Assim vejamos de forma sucinta os aspectos e a natureza do Conto, para justificar nossa tipificação da escritura do autor:

a) Definindo o Conto:

O conto é a forma narrativa, em prosa, de menor extensão (no sentido estrito de tamanho). Entre suas principais características, estão a concisão, a precisão, a densidade, a unidade de efeito ou impressão total – da qual falava Poe (1809-1849) e Tchekhov (1860-1904): - o conto precisa causar um efeito singular no leitor, excitação e emotividade. Ao escritor de contos dá-se o nome de contista.

b) Escopo do Conto:

a. Narração breve, oral ou escrita, de um evento real ou imaginário.

b. Número reduzido de personagens

c. Uma só ação

d. Um só foco

e. Sua finalidade é provocar no leitor uma única resposta emocional.

É fácil notar que no foco narrativo, as ações, as personagens, as determinações espaciais e temporais em toda a sua pluralidade, são elementos que se encontram em todas as obras narrativas do Autor, destacadamente em A Curva, que identificamos como Conto.

2. Leitura Analítica do texto A CURVA:

Buscando dar um cunho didático a leitura analítica do texto A CURVA, faremos nossa exposição tentando evidenciar o texto dentro dos elementos do Conto:

2.1. Enredo:

A temática ou enredo de A Curva, trata de fatos do cotidiano, permeia seus efeitos no comportamento humano, retratando de forma clara e circunscrita o escopo moral de uma sociedade subjugada ao crime, à violência urbana. O autor elabora esta fotografia social sem digressões e extrapolações, com objetividade na descrição dos fatos, onde as palavras são usadas de modo a suprir o estritamente necessário para se dizer do enredo-evento.

2.2. Espaço:

Utiliza em sua narrativa um palco estreito onde consegue ajustar de forma correta a ação dramática, sem deslocamentos prejudiciais à intensidade da trama.


2.3. Tempo

A narrativa ocupa tempo breve [o conto assim exige], apresentada sinteticamente, suficiente para posicionar o conflito:- o assalto, as personagens principais, e os diálogos essenciais, as reações de personagens coadjuvantes - pois meros elementos para consubstanciar o enredo.

2.4. Tom

A descrição dos fatos pauta-se na harmonia estrutural entre as partes da narrativa, por sua unidade de objetivo rumo à unidade de impressão, que o Autor conhece e deseja provocar.

2.5. Personagem

Em A curva, temos claramente exposto um dos pré-requisitos fundamentais do Conto, número reduzido de personagens, essencialmente de caráter simples, abolidas desnecessárias evoluções.

2.6. Linguagem

O texto apresenta linguagem direta, de curto espectro. A linguagem utilizada é despida de abstrações,metáforas dispensáveis,sem prolixidade ,o que confere ao mesmo, talvez a mais importante característica do conto:

- a concisão.

[Vale ressaltar aqui, que pequenos deslizes ortográficos foram encontrados, que acreditamos tenham sido frutos de breve descuido do Autor, no ato da revisão]

2.7. Diálogo

O diálogo construído por Denílson Neves é direto, claro e preciso, demonstrado na fala das personagens essenciais, onde o Autor aparece tanto como narrador, como figura-participe da trama.

[Inclusão esta - como participe, de qual falaremos a seguir]

2.8. Descrição

Aqui cabe dizer, o que consideramos o ponto mais perfeito do texto, o Autor tipifica o evento, os fatos decorrentes, as personagens, no tempo e no espaço de forma magistral.

2.9. Foco Narrativo

No quesito foco narrativo, o Autor resvala em leves percalços, ao se inserir no núcleo dramático , quando deveria se manter o mais distante possível do mesmo, ainda que [talvez]tenha vivido o feito narrado, poderia ter criado uma personagem para vivenciar a sua provável experiência.

Resvala , no desfecho, ao divagar [dispensável] sobre o evento, se real ou imaginário [pois tais premissas não interferem no objeto do conto-que pode tratar tanto do real, quanto do imaginário], mas sim em sua presença no mesmo, pois deveria se postar como simples observador.

No conto, o Autor tudo sabe, mas não deve passar de espectador da trama.


3. Conclusão:

A Curva é um bom conto, abriga todas as suas características e elementos, e o Autor apresenta pleno domínio da narrativa, excluída apenas sua inclusão na trama , o que não compromete a qualidade do texto, mas que merece de nossa parte, considerando a maturidade do autor, oferecer ao mesmo não um conselho, mas uma sugestão:

- Denílson Neves, siga esta trilha, desvende todas as suas rotas, produza muitos e muitos contos, mas fique alerta para as Curvas e Perigos deste caminho , não deixe que a narrativa lhe trapaceie, e sem perceber coloque você dentro dela, visto que:

“o perigo se esconde nas curvas”, e a estrada do conto [da literatura em geral] é árida e espinhosa, requer acuidade e astúcia, oriundas da busca interminável pelo saber literário, e da certeza de que quanto mais aprendemos, mais certos somos de que nada sabemos.

Por conclusivo, expresso aqui o prazer vivenciado neste breve estudo, agradecendo a oportunidade experiencial oferecida, louvando a iniciativa dos Promotores do Concurso e Parabenizando Denílson Neves pela merecida conquista , desejando sucesso nesta caminhada e curvas literárias que percorre, e nas muitas outras que serão ainda percorridas.

Em 07/06/2010

Ana de Abrão Merij

Referências:

Coutinho, Afrânio, Conceito de literatura brasileira (ensaio). Rio de Janeiro, Acadêmica, 1960
Tavares, Hênio Último da Cunha, in. Teoria Literária –Editora Itatiaia –. 2002
Gotlib, Nádia BattellaGotlib. In Teoria do Conto – Editora Ática –1998

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